Esse é um filme nacional original da Netflix que foi lançado no mês de dezembro e entrou como um dos mais assistidos, inclusive nas listas internacionais. Neste post eu compartilho um pouco sobre a construção dessa narrativa.
Sobre o filme
A história é sobre Jorge (Leandro Hassum), que faz aniversário no Natal, mas odeia esse dia. Depois de adulto, casado com dois filhos, sofre um acidente e, desde então, sempre que ele dorme, Jorge acorda no dia 24, com total esquecimento de tudo o que aconteceu durante o ano. Confira o trailer abaixo.
Muitos consideram esse filme uma mistura de Feitiço de Tempo (pois o personagem fica preso no mesmo dia até que muda suas atitudes) e Click (quando o personagem percebe que está acelerando demais o tempo e perdendo momentos da família). De fato, essas duas ideias estão presentes e a história se constrói a partir disso.
Esse post contem spoilers de Tudo bem no Natal que vem.
Análise da narrativa
Estudo dramaturgia e gosto de assistir séries, filmes e musicais para entender como as histórias são contadas. Abaixo, compartilho o que estou aprendendo e o que consegui identificar de técnicas de roteiro e alguns pontos interessantes sob essa perspectiva da narrativa.
O início do filme apresenta brevemente a vida de Jorge, durante sua infância, para contar os motivos para ele não gostar do Natal. Já adulto, somos apresentados ao seu Mundo Comum (Jornada do Herói), em um dia 24, com uma sequência de ações muito parecidas: ele acorda, tem uma interação com seus filhos, vai ao mercado; depois, já noite, sua família se reúne em sua casa, onde se conhece os demais personagens.
Nessa etapa já é possível identificar alguns pontos sobre o protagonista:
Problemática de caráter: Jorge não gosta do seu aniversário, pois nasceu no Natal e nunca teve "festas decentes" de aniversário.
Obstáculo: Sua família, em especial sua esposa, ama se reunir nessa data e comemorar.
Conflito principal: Ele fica preso no dia 24, vivendo a véspera do Natal continuamente.
Quando ele cai do telhado e acorda, já é dia 24 do ano seguinte, e Jorge não se lembra de nada do que ocorreu durante o ano. Na primeira vez, ele não sabe que isso está acontecendo e toda a mesma sequência de ações se repete, até que, nos próximos anos, ele e sua família já tem consciência sobre esse fato.
Para que isso funcionasse bem, cada personagem precisou ter uma característica bem marcante: o tio, por exemplo, sempre faz a piada do "pavê ou pra comer", briga com uma das pessoas e foge com um peru; o cunhado de Jorge sempre pede um dinheiro emprestado. Isso ajuda a criar uma familiaridade com as cenas e, ao mesmo tempo, fazer com o que o público saiba o que esperar.
Dessa forma, as mudanças que naturalmente acontecem ao longo dos anos sempre surpreende Jorge. E esse é o grande ponto do filme: o confronto do protagonista ao se ver diversas situações estranhas à sua realidade. Enquanto nos primeiros dias 24 o humor é muito presente, do meio pro final a narrativa começa a ficar mais séria; alguns cenários são naturalmente previsíveis pela passagem de vários anos, como o envelhecimento, as mudanças de aparência, que trazem um teor mais cômico, para, aos poucos, adicionar novas camadas do personagem.
Um das principais relações afetadas é com sua esposa. Em um dos dias 24, é descoberto que Jorge está a traindo e tem uma relação com sua secretária. A partir daí, fica muito mais presente a construção de "dois personagens": o Jorge do Natal e o Jorge do restante do ano. Algumas das subtramas, como tentar reconciliar com sua esposa, são justamente ele tentando consertar tudo o que seu "eu ao longo do ano" fez de errado.
Outra relação bastante presente é com sua filha, a qual é responsável por um dos momentos de mais emoção do filme: em um dos anos, quando ela já é mãe (o que deixa Jorge bastante contente, por já ser avô), se descobre, através de um plot-twist, que ela está com câncer. Além de emocionar, os roteiristas inseriram essa cena como um alerta de cuidado ao público.
Nessa etapa do filme, sua problemática de caráter já está sendo tratada. O que faltava era cuidar e melhorar o relacionamento de Jorge com seu pai, o qual só conversavam por telefone, sem se verem durante todo esse ano. Após esse reencontro, o conflito principal só se resolve quando Jorge cria essa consciência sobre sua problemática e aceita o bolo de aniversário, fazendo um pedido ao soprar as velas.
O filme encerra com uma fala do Jorge sobre a importância de aproveitar a vida e vivê-la além do trabalho e de pagar as contas, através de uma nova sequência de ações do Natal com Jorge curtindo diversos momentos em família.
De forma geral
O filme se constrói a partir de um ciclo vicioso do personagem, com subtramas sendo adicionadas e resolvidas uma seguida da outra, o que cria a sensação de que não tem fim. Com uma grande semelhança às produções televisivas, Tudo bem no Natal que vem é um típico filme natalino, sem grandes surpresas, que agrada um público mais geral do streaming, e que, apesar de mostrar um natal sem neve, apresenta todas as mensagens já conhecidas e herdadas dos filmes norte-americanos. Com um ótimo elenco e nas listas internacionais de Top10 da Neflix, é uma produção para assistir em família, sem muito compromisso, que vale a pena para se divertir e emocionar.
Me conta nos comentários o que você achou do filme, se você gostou e se emocionou com as cenas do final.
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